Suspender Telegram é censura coletiva. Essa é a opinião de juristas ouvidos pela Gazeta do Povo sobre a decisão da Justiça Federal de São Paulo que determinou a suspensão do aplicativo de mensagens no Brasil nesta quarta-feira (26). A medida foi tomada após a empresa supostamente se negar a fornecer à Polícia Federal dados sobre grupos virtuais neonazistas investigados na Operação Stormfront.
A suspensão do Telegram afetou milhões de pessoas e empresas que utilizam a plataforma para se comunicar. Pelas redes sociais, usuários relataram dificuldades para acessar o aplicativo e começaram a recorrer ao uso de serviços de VPN (rede privada virtual) para burlar o bloqueio.
Para os especialistas consultados pela reportagem, tirar o app do ar por esse motivo não resolve o problema em questão, fere o princípio constitucional da liberdade de expressão e caracteriza “censura coletiva”.
“Não se pode suspender ou banir a praça pública em razão de lá se ter cometido um ilícito. Pouco importa a responsabilidade da plataforma. Punindo-a com suspensão ou banimento, todos os que lá estão se expressando licitamente também são punidos, censurados, impedidos de seguir se manifestando”, afirmou o advogado constitucionalista André Marsiglia, especialista em censura e liberdade de expressão.
O advogado criminalista Luiz Mantovani, diretor-executivo da Associação Brasileira de Juristas Conservadores (Abrajuc) no Rio de Janeiro, concorda com Marsiglia e acrescenta que a suspensão da plataforma viola outro princípio do Direito Penal: o da intranscendência da pena, que diz que nenhuma sanção deve ultrapassar a pessoa do condenado.
“No presente caso, toda a população brasileira está sendo penalizada, podendo gerar inclusive perdas financeiras para quem se utiliza do aplicativo para questões de ordem profissional”, explicou Mantovani.
O advogado Giuliano Miotto, presidente do Instituto Liberdade e Justiça, também criticou a decisão judicial e disse que ela “obviamente não resolve o problema que busca solucionar e piora ainda mais a situação, com a possibilidade de a empresa suspender suas operações no Brasil e os criminosos continuarem atuando a partir de plataformas em outras jurisdições”.
Os juristas ainda apontaram que a aplicação de uma multa à empresa seria uma penalidade suficiente, sem necessidade de interromper o serviço. Além disso, eles consideraram que o valor de R$ 1 milhão por dia de descumprimento imposto pelo juiz é uma violação ao princípio da proporcionalidade.
A decisão judicial que suspendeu o Telegram foi proferida pelo juiz federal Marcelo Costenaro Cavali, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo. Ele atendeu a um pedido da Polícia Federal no âmbito da Operação Stormfront, deflagrada em novembro do ano passado para desarticular uma organização criminosa suspeita de praticar crimes contra minorias e incitar atos terroristas pela internet.
Segundo o juiz, o Telegram não teria colaborado com as investigações ao se recusar a fornecer dados cadastrais e conteúdos das comunicações dos investigados. O magistrado afirmou que “a postura da empresa Telegram tem sido extremamente prejudicial à investigação criminal” e que “não há outra medida possível senão a suspensão das atividades da empresa”.
A Gazeta do Povo tentou contato com o Telegram por meio dos canais oficiais de imprensa disponíveis em seu site, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.
A suspensão do Telegram ocorre em meio à discussão sobre o projeto de lei das fake news (PL 2.630/2020), que pretende regulamentar as redes sociais e os serviços de mensagens no Brasil. O texto já foi aprovado pelo Senado e deve ser votado pelo plenário da Câmara dos Deputados na próxima terça-feira (2).
Entre as medidas previstas no projeto estão a exigência de identificação dos usuários, a rastreabilidade das mensagens encaminhadas e a possibilidade de aplicação de sanções às plataformas que descumprirem as regras. O relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), apresentou nesta quinta-feira (27) a versão final do texto, após fazer algumas alterações para tentar viabilizar sua aprovação.
O projeto tem sido alvo de críticas de diversos setores da sociedade, que apontam riscos à privacidade, à liberdade de expressão e à inovação tecnológica. Alguns especialistas também questionam a eficácia da proposta para combater a desinformação e os discursos de ódio na internet.
Fonte: Gazeta do Povo